Para corrigir desigualdades no país é preciso haver crescimento econômico, mas não adianta nada se o dinheiro público não for usado com eficiência. Isso fica muito evidente quando se conhece um município maranhense criado há quase 30 anos.
Capinzal do Norte tem pouco mais de 11 mil habitantes. No povoado Espírito Santo, o único posto de saúde, também funciona como sala de aula. Há quatro meses, a escola da comunidade foi fechada por falta de estrutura.
No povoado Ipiranga, o posto de saúde que deveria atender a cerca de 100 famílias nunca funcionou. Desde 2016, o prédio está abandonado, coberto por mato e cheio de sujeira.
“Nossas autoridades não vêm cuidar da gente. Aí fica esperando pelo poder de Deus”, lamenta o lavrador Deoclides Abreu.
Na sede, no único hospital administrado pela prefeitura, falta estrutura para quase tudo.
“A saúde aqui é precária, não existe. O hospital está jogado para as cobras. Não faz parto, não faz cirurgia”, reclama um morador.
“Só um prédio para dizer que é hospital. Até o esparadrapo, a atadura, o soro fisiológico, a pomada… Tudo é comprado fora, à parte, para trazer para cá, para fazer curativo no pai”, conta outro.
Questionados pela repórter do Jornal Nacional se partos eram feitos no hospital, os funcionários permaneceram em silêncio.
Ambulância até tem, mas, com estradas ruins, nem sempre chega a quem precisa. Em uma gravação feita há menos de um mês, uma paciente é transportada em uma rede depois de fazer uma cirurgia na cidade vizinha.
Paciente é transportada em uma rede depois de fazer uma cirurgia na cidade vizinha. — Foto: JN
No cadastro do Ministério da Saúde, a unidade hospitalar é classificada como hospital geral, com salas de cirurgia e de parto, leitos para obstetrícia cirúrgica, laboratórios para exames clínicos, entre outros. Mas quase nada funciona.
“Negócio de exame, essas coisas assim, eu não vou dizer que tem, que não tem, né?”, afirma o feirante Francisco Pereira Silva.
A falta de estrutura hospitalar interfere na identidade de uma geração inteira que cresce em Capinzal do Norte. O hospital municipal não tem condições de fazer, se quer, um parto normal – com isso, as gestantes viajam até 80 km para ter seus filhos em cidades vizinhas. É difícil encontrar uma criança menor de 10 anos que tenha nascido em Capinzal.
Repórter: Seu filho mais novo tem quantos anos?
Silvana Rodrigues, lavradora: Quatro.
Repórter: Nasceu onde?
Silvana: Em Alto Alegre, porque aqui não tem como ter filho, né?
“A pessoa fica natural de outra cidade. Aí não se tem mais capinzalenses, infelizmente”, diz a lojista Carminda Pereira.
Davi, de 4 anos, e Rafael, de 3 meses, filhos da lavradora Ronaysia Costa, nasceram em cidades vizinhas.
“Os dois partos foram cesáreas. O hospital não faz cesárea”, explica ela.
Em nota, a Prefeitura de Capinzal confirmou que o hospital não faz partos e que a situação vem desde a fundação do município, há quase 30 anos. Que, ainda este ano, vai apresentar o projeto de construção de centro cirúrgico, com previsão de início das obras no segundo semestre e que, no dia em que a reportagem foi ao hospital, havia um médico.
Por falta de estrutura hospitalar, Capinzal do Norte (MA) é conhecida como a cidade onde ninguém nasce — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução
De 2019 a 2022, Capinzal do Norte recebeu cerca de R$ 10 milhões de emendas parlamentares, inclusive do orçamento secreto – a prática pouco transparente em que o Congresso destinava verbas a projetos definidos pelos parlamentares.
Em 2022, o município recebeu R$ 460 mil para a estruturação de unidades de saúde. Produtor de gás, só em 2023, Capinzal já recebeu mais de R$ 3 milhões dos royalties.